domingo




Atendendo ao chamado, milhares de morcegos cercaram a rainha. Uma nuvem negra como a própria floresta, as folhas denegridas das árvores e a lamúria agourenta que um dia fora o canto de um pássaro. Depois, como um púlpito vivo, eles a ergueram acima da enorme clareira para que seus súditos a adorassem e ouvissem.
– Filhos de Simonna! – ao som de sua voz, guinchos de bestas e outros sons macabros fizeram-se ouvir desde os lugares mais obscuros da floresta. A rainha extasiava-se. – O sol já se pôs – ela prosseguiu – é chegado o tempo de abraçarmos nosso novo deus.
Um carvalho ancião, com o tronco apodrecido e folhas grossas, sentia muito pelo que estava por vir. Ainda lhe restavam memórias de outros tempos, quando na floresta só os cabelos da menina Simonna eram negros e os animais e árvores morriam para que outros nascessem em seus lugares.
– Perdoe-me, majestade – o carvalho ousou dirigir-se à rainha –, mas suplico que a senhora não faça mal ao unicórnio! Nele ainda vive o espírito da floresta, e a devastação que nos corrompeu nada pôde contra ele. Deixe que viva... por nossos ancestrais!
Melancólica, a rainha da floresta falou só para o carvalho:
– Há muito me esqueci da pureza do unicórnio, sábio conselheiro das árvores. Olho para ele e vejo a fragilidade do nosso passado. Aí olho para você e vejo o futuro do qual só a morte pode poupá-lo – o púlpito de morcegos a carregou para mais perto do carvalho e ela baixou a voz quase a um sussurro. – Vamos matá-lo esta noite e livrá-lo da desgraça. Sem ele estaremos todos mortos pela manhã, e ninguém terá de nascer novamente. Dormiremos todos em paz para nunca mais acordar. Todos... o unicórnio, a floresta e deus!
O carvalho fez silêncio e acabou aceitando aquele fim; contentou-se com o sono eterno. Na verdade, qualquer coisa seria melhor que aquelas folhas negras e pesadas. Só não sabia se teria coragem de fazer mal ao unicórnio caso o destino o pusesse em seu caminho. Não queria ter pesadelos na noite de sua morte.


(Ðïøgënë§ • Ðånïèl )

Nenhum comentário: