sexta-feira


"Cometa bobagens. Não pense demais porque o pensamento já mudou assim que se pensou. O que acontece normalmente, encaixado, sem arestas, não é lembrado.
Cometa bobagens. Dispute uma corrida com o silêncio. Não há anjo a salvar os ouvidos, não há semideus a cerrar a boca para que o seu futuro do passado não seja ressentimento.
Complique o que é muito simples. Conte uma piada sem rir antes. Ninguém lembra do que foi normal.
Demita o guarda-chuva, desafie a timidez, converse mais do que o permitido, coma melancia e vá tomar banho de rio. Mexa as chaves no bolso para despertar uma porta.
Não diga eu sei, eu sei, quando nem ouviu direito. Almoce sozinha para lembrar do que foi servido em sua vida.
Cometa bobagens. Não compre manual para criar os filhos, para prender o gozo, para despistar os fantasmas. Não existe manual que ensine a cometer bobagens.
Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você.
Deixe varrerem seus pés, case sem namorar, namore sem casar. Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar.
Chore nos filmes babacas, durma nos filmes sérios. Não espere as segundas intenções para chegar às primeiras.
Ninguém lembra do que foi normal. Lembramos do porre, do fora, do desaforo, dos enganos, das cenas patéticas em que nos declaramos em público.
Não seja séria; a seriedade é duvidosa; seja alegre; a alegria é interrogativa. Quem ri não devolve o ar que respira.
Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer."

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